O comércio ilegal de órgãos no Brasil é uma coisa. O desespero financeiro faz alguns tomarem a drástica decisão de retaliar a carapaça para retirar as peças preciosas que a compõe. Vale muito. Fala-se em até 500 mil reais por um rim, que por esse preço deve ser um bom. Trocadilho infame, me perdoe. Esse rim dourado é raridade; a média de preço, segundo o Ministério da Saúde, gira em torno de 50 a 80 mil reais.
Há quem faça anúncios em jornais, como quem vende um carro. A legislação proíbe. Entre não parentes, a doação só é permitida se ambos, doador e receptor, se declararem amigos perante o juiz. Deve poder ex-amigo.
- Sim, excelência, ele é meu amigo, o melhor amigo, o mais amigo, por favor acredite, pelo amor de Deus acredite, pelo amor da evolução, caso o magistrado seja ateu, ele é meu amigo, ai minha Nossa Senhora... - e chora, com uma sinceridade íngreme.
É uma das mais delicadas situações em que se pode ver o ser humano, o que vende e o que compra. Um quer viver, porque deve ser bom viver apesar dos políticos e do aquecimento global, o outro também anseia pelo mesmo desejo, mas viver com o danado do déficit roçando a boceta das calças é como ter de saborear mel com o tato.
O problema é que tudo o que é valioso e proibido desperta o carinho dos ladrões. E aí toca de um sujeito desaparecer misteriosamente nos confins de Tegucigalpa, na Guatemala, e suas vísceras aparecerem sem mistério algum, e até com alguma pompa, no ventre dum milionário nigeriano, produtor de petróleo e sordidez.
Eu comungo da ideia precária de que o sujeito pode, sim, dispor de seu corpo pelo simples fato de ele ser seu. Há órgãos que são incômodos para uns, perigosos para outros. Lá pelo século 19, um cronista cronicou que um boticário havia inventado “um vinho estomacal” que tornaria desnecessário o uso do estômago para digerir, por achá-lo “um trambolho da criação”.
Se os homens 200 anos mais argutos criarem outra espécie de vinho que faça a limpeza do sangue sem a precisão do rim, o bombeamento sanguíneo sem “a escola de samba muscular” a metabolia do fígado, estará sanada essa grande dificuldade de traficar órgãos, sendo necessário apenas a filiação numa adega farmacêutica e outro cadastro numa instituição financeira, porque este será o vinho mais caro do mundo.
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