"Joga o bicho da mamadeira pra cá."
Foi assim que as presas recepcionaram uma mãe acusada de matar sua filhinha de 1 ano e 3 meses. A mãe foi presa por suspeita de ter colocado cocaína na mamadeira da criança que chegou ao hospital com “um pó branco” na boca e na mamadeira.
Todos somos julgadores natos. Nascemos com essa predisposição para o julgamento. Quem se lembra do caso da Escola Base sabe. Os donos do educandário foram acusados de assediar as crianças. Foram hostilizados pelos vizinhos, achincalhados pela imprensa; condenados pelo povo. Eram inocentes.
O caso dos Irmãos Naves, de 1937, também é emblemático. O drama dos irmãos começa quando um homem foge levando o dinheiro de uma safra de arroz. Os irmãos Naves, sócios do fugitivo, denunciam o caso à polícia. De acusadores passam a réus, por obra de um tenente de polícia, que dirige a investigação. Presos e torturados os Naves são obrigados a confessarem o crime que não cometeram. Quinze anos mais tarde, em 1952, reaparece a “vítima”, dizendo ignorar o ocorrido. Um dos irmãos já havia falecido.
“Olha o que você fez, sua assassina. Encara o que você fez, monstro".
Mal posso condenar a médica que disse isso para a mãe da criança. Fosse eu o médico que tivesse atendido o caso e visto a cena no calor do momento, teria feito o mesmo. A criança sofre de uma doença indiagnosticável; tomava de quatro a cinco remédios diariamente, inclusive um para evitar convulsões, composto por pó branco. A mãe passou 37 dias presa:
“Uma presa enfiou uma caneta no meu ouvido e já ia dar um soco para que entrasse até o talo, quando outra lhe pediu que não fizesse isso. Então, ela quebrou a caneta e metade ficou dentro".
Um laudo posterior deu negativo para cocaína, o que livrou a mãe da cadeia e da morte provável. É correto afirmar que ela entrou num mundo paralelo; viu a filha morta, viu-se num presídio, foi agredida (entrou em coma) teve a mandíbula quebrada, lesões na cabeça porque suas colegas de cela batiam sua cabeça contra as grades. Nada menos que 18 detentas a agrediram.
“Não conheço este lugar, a atmosfera é outra e um astro mais brilhante que o sol não muito longe fulgura”, disse meu amigo unilateral Franz Kafka para esta mãe e para todos os muitos vítimas da injustiça e do acaso. (Eclesiastes 9: 11)
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