Quem é dado a contemplações mais explosivas sabe do que irei falar. Analisando com frieza os grandes eventos da História, se pode tirar uma lição do que é necessário fazer para cometer os mesmos erros. Napoleão Bonaparte tinha pretensões literárias: a lenda lhe atribui um desejo incontido de escrever um grande romance, e assim se notabilizar como um revolucionário da escrita. A verdade é que o romance foi escrito de forma gloriosa, só com o detalhe de que a caneta foi substituída pela espada e o nanquim pelo sangue, que também é um gênero de tinta, só que mais abundante, apesar de caro.
Os editores do romance napoleônico até que tentaram barrar a publicação, imputando ao livro características egocêntricas, primeiro grande pecado de um escritor. Acontece que os primeiros capítulos da obra pareciam esconder com tal arte seus verdadeiros desígnios, que não fora possível conter os demais capítulos que nasciam mais robustos que os primeiros, como um menino que já nasce dando ordens aos pais. Pois bem. Esse menino, digo, esse livro, nascido do conluio da esperança com a decrepitude geral que assolava os leitores franceses, logo foi ganhando formas e tons mais poderosos, e como um corcel que não se contém na baia, foi galopar em outras plagas.
A violência característica nos grandes romances é odiosa, mas às vezes necessária ao bom rumo do enredo, que, quando não reclama alguma dor e se esquiva de mencionar fraquezas, não pode ser levado a sério.
De Napoleão contam-se essas minúcias. Quando um novo Napoleão irromper das entranhas da terra ou dum colapso social, será devidamente julgado, passando antes pelo jubiloso triunfo, pelas adulações e outros vícios que ajudam a compor a biografia de um homem de valor.
Nesta senda ficarão muitos mortos, algum lamento e outros percalços, tudo assim posto para dignificar a estatura dos que ajudam a corromper a História ou revertê-la ao seu grado. Nosso Napoleão moderno usa só a imagem e uma dose mínima de retórica. Torçamos para que o sangue que escreverá os próximos versos seja apenas daqueles que apreciam participar dos grandes momentos sem serem necessariamente o herói protagonista, como aquele soldado, Protesilau, que na Guerra de Tróia entrou para a história sem combater; foi célebre por ter sido o primeiro grego a contribuir com a vida, soldado valoroso e eterno na glória de morrer para que outros continuem a exercer o duro ofício de fazer andar a grande e pesada roda da História.
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