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O Mistério da Salvação

A lenda diz que Luis de Camões, dono de uma biografia tecida por aventuras criveis e incríveis, após naufragar na costa do Camboja, nadou por entre as ondas com um só braço porque o outro estava ocupado: ele erguia acima das vagas nada menos que o manuscrito de Os Lusíadas provavelmente o principal texto escrito neste idioma que você lê. Podia fazer um esforço imaginativo e ver o grande poeta lutando contra o mar, indeciso entre o que salvar, se a vida ou se o texto.


Salvação. No extraordinário conto de Machado de Assis intitulado A IGREJA DO DIABO (http://www.biblio.com.br/conteudo/MachadodeAssis/aigrejadodiabo.htm) segue-se o seguinte diálogo entre Deus e o diabo sobre um ancião que acabara de morrer e era acolhido pelo Senhor no céu:


“- Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez?


- Já vos disse que não.


- Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão?


- Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega.


- Negas esta morte?


- Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los...”


A salvação como instrumento de aborrecimento. Salvar-se de que, para quê, e que efeitos pode ter a salvação? Adolf Hitler foi poupado da morte no campo de batalha de 1914; rendido por um soldado inglês, teve poupada a vida que tantos milhões de morte causaria no futuro. Isto é salvação ou a condenação?


Camões salvou-se a si e ao poema; ganhou a civilização. Outros casos célebres de salvação se deram com a obra de Franz Kafka e alguns pergaminhos da Biblioteca de Alexandria. O Jesus ao negar a salvação condenou a si para salvar a outros, segundo pede a liturgia, a tradição e a fé, que não pede recibo, nem carece de ciência. Em termos jurídicos o grande Cristo é uma problemática para o Direito; seria absolvido ou condenado pelos tribunais seculares? O tribunal da Terra, cartesiano como ele só, trancaria o Ungindo em cadeias que nunca mais abririam; os promotores não lhe iriam perdoar, ainda que culposamente, quando não há a intenção de cometer o crime, as guerras de reis (Ricardo 3º X Saladino) o proselitismo (Índios X Catequese) disputas econômicas (Ética Paternalista Cristã X Conservadorismo Católico), já o tribunal celeste que só usa o pragmatismo em prol dos réus, absolveria o Messias não por fisiologismo ao defender um membro nacional (celestial) mas pelo gênio de ter nascido no Oriente (Israel) e ter se tornado mais popular e necessário do outro lado do Hemisfério. Sem salvação, seja ela de que espécie for, fica certo que não se faz a História.





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