Um Coelho Doutro Mundo
Deu na coluna da Mônica Bergamo da Folha de São Paulo de 17 de Setembro de 2007:
PÚBLICO E PRIVADO
O escritor Paulo Coelho – que já fez um testamento com orientações sobre o destino de sua fortuna, calculada em mais de R$ 300 milhões - estuda refazer o documento em outro país para realizar seu desejo: deixar tudo para duas fundações. Uma delas, na Espanha, ajuda abrigos de peregrinos no Caminho de Santiago. A outra, no Brasil, presta auxílio a menores e doentes mentais. Os pais e irmãos de Paulo, e sua mulher, Christina (o casal não tem filhos), já assinaram documentos abrindo mão da herança. Mas, pela lei brasileira, eles não têm validade - não é possível renunciar a herança de pessoa viva.
DE VOLTA
No mesmo testamento, Coelho diz que “deve ser divulgado de alguma maneira que, sob hipótese nenhuma, devo ser invocado após a morte, seja por cerimônias mágicas, seja por discípulos, seja por psicografia, ou qualquer outro tipo de arte mediúnica (…) Se eu precisar aparecer por alguma razão, eu darei um jeito“.
O texto sublinhado merece nada menos que um cataplawer bem generoso, sonoro, grotesco. Arte de deixar algum lugar/quando não se tem pra onde ir. Deve ser essa a arte de Paulo Coelho, com a diferença que ele tem e sabe para onde ir, uma vez que domina e até conhece os meios de comunicação do além. Essa sua fala prova – ou ao menos demonstra – que ele não tem apenas controle sobre a sua vida, mas também sobre a sua morte, o que é um prodígio, mesmo em tempos de superaquecimento e carros vendidos em 84 parcelas com juros do outro mundo.
É fácil sentar a bota em Coelho. Pega bem até em que gosta dele, mas não diz que gosta por receio bobo de borrar a biografia. Para os que não gostam é ainda melhor, pois nada une mais as pessoas do que um ódio em comum.
– Eu gosto do Tiago.
– Eu também gosto.
– Eu odeio a Letícia.
– Nossa, você também odeia?! Aquela metida, esnobe, imbecil, cafajeste, dá vontade de socar ela, vagabunda, tenho até nojo, e quando ela olha daquele jeito? Ah vadia…
O difícil em Coelho não é entender o gigantismo do seu sucesso, o acúmulo de muitos milhões de reais e de vendas de livros, o complicado, o indecifrável é descobrir o que é que ele toma antes de dar declarações à imprensa. Naturalmente, ao melhor estilo de um mago, ele vai dizer que não toma nada; então o aconselharia a tomar alguma coisa. Ele já falou que tem o poder de ficar invisível, de parar o tempo, fazer chover…
Todavia, não desmereço nem duvido desses talentos “espectrais” de Coelho; ele já operou um milagre tão ou mais primoroso do que o de reviver depois de morrer ou de ficar incorpóreo; o milagre da multiplicação de seus livros já o gabarita para anunciar que pode sim fazer outros prodígios de maior impacto, prejudicando qualquer análise de céticos, agnósticos e banqueiros. Coelho, quando ganhar a imortalidade da morte (!), poderá ajudar o administrador-geral do planeta terra a reorganizar a logística do sistema de coisas, mas aí vai vir a história de que é preciso evoluir, ir a outro plano enquanto um montão de eus e vocês sofrem às pencas… alô alô seu Coelho, se esta carta o encontrar na eternidade, não esqueça da promessa de nos avisar pessoalspiritamente.
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