O escritor José Saramago está impressionado com os índices de corrupção da nossa terra brasilis. Saramago é um grande escritor, quase um clássico; para alguns, já o é. Mas o português não conhece o Brasil; sabe o que se passa por aqui de oitiva, de alguma canção do seu amigo Chico Buarque (“é pau é pedra/ é fim de linha/ é lenha é fogo/ é foda”). O Brasil real, aquele impregnado de emoções primitivas, arraigado a uma maléfica ingenuidade tropical --- tão bem explicada pela célebre teoria do “Homem Cordial”, do grande Sérgio Buarque, pai do Buarque-em-verso (é um espanto que uma matéria gere igual matéria); esse “homem cordial” é avesso ao formalismo lusitano; tratava seus ídolos do esporte da era pré-globalizada por apelidos: era Garrincha, era Pelé, era Zico. Tudo o que soa burocrático o melindra e espanta.
Esse homem cordial, literalmente de “cordio” (coração), é que é a danação da nação.
As operações da Polícia Federal têm revelado isso. Um dos deputados acusados na fraude da moda, a de irregularidades nas licitações (cujo nome não manchará esta lauda), tinha sido investigado, preso, condenado, CASSADO e, por milagre ou heresia, voltou ao Parlamento, ancorado pela “ingenuidade tropical” dos nativos deste submundo chamado Brasil.
O homem cordial é o símbolo supremo do mal que nos assola. O positivista Augusto Comte, responsável pelo “Ordem e Progresso” da bandeira (um contra censo notável, uma vez que ordem com progresso é inconciliável), ensinou que o lugar de origem do homem delimitava suas características culturais, éticas, intelectuais, e por aí afora. É o que se convencionou chamar de “determinismo biológico”. Sérgio Buarque ensinava de forma mais lapidar: "Cada qual é filho de si mesmo, de seu esforço próprio, de suas virtudes, e as virtudes soberanas para essa mentalidade são tão imperativas, que chegam por vezes a marcar o porte pessoal e até a fisionomia dos homens."
O primitivismo nacional talvez seja o subproduto da miscelânea ebulêa que formou nossa identidade enquanto “nova raça”; a fusão do homem ibérico, repleto de vícios cartoriais, com o homem ainda virgem de intuição, aberto a inserções e ensinos; da catequese católica ao vestuário europeu, e até influenciado pelo clima quente que faz expandir emoções: é a receita do descontrole institucional que ora testemunhamos.
Primeiro porque não há vilões. Como apontar a riste do dedo acusando o corrupto se teríamos, em tese, o mesmo proceder se estivéssemos no poder? Somos antes, corruptores. Uma raça não sobrevive sem a outra. Pela nossa constituição cultural, geográfica e política, brevemente exposta acima, fica patente a nossa culpa ou omissão. A salvação será a aniquilação dos conceitos. Sugiro um novo redescobrimento das Américas, carecendo manterem cobertos os americanos do sul.
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