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O Galo de Sócrates



“…. o sândalo perfuma o machado que o feriu….”


Definitivamente a poética ainda terá um papel relevante a cumprir.


Compactuo com você desta esperança porque tenho esse hábito claudicante de acreditar no etéreo.


Veja o caso de Sócrates. Sócrates, à porta da morte, pediu para tomar um banho a fim de não constranger o homem incumbido de lhe ministrar a cicuta; e mais, pediu, segundo nos conta Platão em seus Diálogos, que Asclépio pagasse uma dívida que havia contraído com o vizinho, a dívida era um galo; minto, não é Asclépio, é a Esculápio a quem o sábio deve a ave:


– Não te esqueces, Crínton, eu devo um galo a Esculápio. Promete-me que o pagarás.


Eu não sei se isto foi um belicismo moral socrático, uma fatal ironia, ou uma mera cordialidade, virtudes das mais admiradas num homem ilustrado.


O manejo com que o grande filósofo equilibrou a vida após o anúncio de que ia morrer tem muito a nos dizer, apesar da nossa mortalidade, da nossa timidez sem cura, da nossa insignificância enfim. É um dos mais belos capítulos no eterno livro das ironias.


Dolorosamente não podemos mais contar com vultos como esses, porque a fábrica que fabrica grandes homens está emperrada desde a morte da ousadia.


Em ultimíssima análise, nem a solidão é capaz de destruir coisas que no tempo das grandes mentes poder-se-ia chamar inquebrável.


Não obstante, prevejo que a anemia intelectual se dê mais em nós do que nos outros. Explico.


Millôr Fernandes escreveu esses dias que não era difícil o surgimento de gênios; difícil mesmo era encontrar quem os reconhecessem como tais.


É isso; acho que já disse o que precisava em 11 parágrafos. Se escrevesse uma linha a mais passaria moderado a imodesto e, portanto, não quero ser advertido pela crítica do passado.


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