Temos uma abundante necessidade de explicação quando abatidos por grande tragédia. Aparecem especialistas por toda parte, condenamos o inanimado, o clima, a Cristo pela inércia. O desastre com o avião da TAM expõe essas frágeis inclinações humanas. Voar no Brasil tem sido uma grande aventura. Para muitos era loteria; agora é roleta-russa. Antes íamos acompanhados pelo medo para entrar numa aeronave; hoje temos a companhia também da informação. Preocupa quando passamos a ter familiaridade com terminologia que antes só era dominada por especialista da aviação: transponder, flyer, controle de vôo, TPAS, reversor e a mais nova vedete do verbete: “grooving” (as ranhuras da pista para dar aderência). Não quero nem pretendo consolar a ninguém com este texto inócuo; palavras não acalantam almas moucas e feridas pelo sofrimento da perda repentina do irmão, do pai ou daquela mãe que viu extinta pelo fogo a vida dos dois filhos de 15 e 17 anos; há o que falar? Nessas horas o silêncio deve ser cultivado e se tiver de ser expresso, que seja por música - clássica.
Calamidade mortífera, quando atacadista como esta, desperta em nós um certo temor pela existência; “Poderia ser eu”; pode-se sem clamor algum morrerem 6 milhões de pessoas desde que os óbitos sejam distribuídos em igual proporção pelo mundo afora; se 4 morrerem no mesmo evento já não é morte mas chacina; se 148, genocídio; e daí a diante ao sabor das nomenclaturas. A necessidade de viver associada à de morrer nos impele ao estupefato quando pelas mais diversas causas deixamos de existir. O inconsolo causa-me alguma estranheza; se cônscios estamos de que o desafio da vida nada mais é do que cotidianamente vencer a morte até um dia ser vencido por ela porque do espanto? Vamos que seja pela banalidade e estupidez de certos gêneros de mortes como a desses tristes passageiros que foram calcinados dentro do Air Bus infrene.
A Ofélia afogada não recebeu do irmão Laertes as lágrimas de praxe em similar ocorrência “Querida irmã, já tens água de sobra, não te darei mais lágrimas”; e se verdade for que algumas lágrimas escorrem como lavas ardentes nas faces dos entes que sobrevivem aos seus parentes como então fazer para estancá-las do rosto, já que, pela ótica do poeta, são uma redundância incandescente? Shakespeare também foi (r)seduzido pela morte e nos não pode resolver mais este enigma. Se tudo morre (e para essa regra não há exceção conhecida) há de vir o dia da morte também morrer e quando este dia nascer (que necessitou da morte do anterior; ó morte malfesã que não se extingue nem nas simples metáforas!) ficaremos gratos aos céus não pela suposta eternidade que iremos gozar, mas sim pela descoberta, enfim, do mistério da vida.
Escrito por Alex Menezes às 22h59
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