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Foto do escritorABM

Lobato Inglês

- Mamãe, se o Dickens morreu, então significa que o Papai Noel também vai morrer?



Esta foi a pergunta que muitos pais ouviram quando o escritor Charles Dickens se foi para sempre.



Dickens está para os ingleses assim como Monteiro Lobato está para nós; ele permeava o sofrido universo infantil daquela Inglaterra vitoriano-burguesa, hipócrita e cruel nas condições de vida que oferecia às classes menos favorecidas. Denunciava em seus livros a exploração a que eram submetidas as crianças nas instalações fabris daquela efervescente Inglaterra da Revolução Industrial que mutilou e matou também em escala industrial.



Num de seus mais belos livros A Loja de Antiguidades (The Old Curiosity Shop) a terrível e comovente história da pequena Nell que vagueia por toda Inglaterra com seu frágil e doente avô fugindo de um diabólico anão, o agiota Daniel Quilp, toca fundo e liquefaz até um coração de granito. O livro, publicado em fascículos, causou tanta comoção no Reino Unido que os leitores (e dizem, que até a Rainha Vitória!) pediu para que Dickens deixasse a pobre Nell viver. Ele mesmo admitiu que a história lhe partia o coração, mas que precisava ser escrita. Num dos trechos mais emocionantes do livro, tive uma sensação rara que foi esta:



Após muito andar, a pequena Nell e o avô estavam esgotados e famintos; ela confeccionou um cesto de vime, colheu flores num campo baldio e as vendeu numa praça, foram a uma hospedaria e com os poucos xelins que conseguiu, só foi possível comprar uma asa de frango assada fria e modorrenta. A vivacidade do relato de Dickens foi de tal força que pude sentir os perfumes daquela parca refeição que decerto saciou-lhes apenas a fome dos seus espíritos.



Em 1861 o grande escritor russo Fiodor Dostoievski rendeu a Dickens a maior homenagem que um escritor pode prestar a outro: escreveu sua própria versão de A Loja de Antiguidades rebatizada com o título Humilhados e Ofendidos.



Oliver Twist, recentemente filmado pelas mãos de Roman Polanski, David Copperfield, (de onde o mágico deve ter plagiado o nome) os Contos de Natal, Grandes Esperanças entre outros, fizeram a fama de Dickens. Muitas das histórias eram baseadas em fatos e pessoas reais – quando não o próprio Dickens era a personagem.



O escritor, essa espécie humana obscura e fugidia, encerra dentro de si não só a alma das personagens que cria, mas também a arte de vasculhar nossas emoções mais profundas, desvendando mistérios às vezes nem por nós mesmos exploradas e no vácuo dessas expedições, pinta com tintas nobres os retratos das sociedades e suas épocas, legando às futuras gerações um modo terno e agudo de compreender a nossa civilização.




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