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Imóvel da Discórdia





Vejam o que são as vicissitudes do capitalismo e da fé religiosa. Num bairro meio “Faixa de Gaza” da cidade de São Paulo, um prédio de dois andares é locado por duas instituições que são iguais e diferentes; ambas têm lá seu papel fundamental para a saúde do tecido social, contribuindo para a harmonia e desopilação de todos os terráqueos, crentes e descrentes.



No prédio funciona, no andar térreo, uma igreja evangélica; no de cima, um motel. Nada menos. Dá para vislumbrar uma composição mais heterogênea? Imagina-se que quem freqüenta o térreo não pode, em tese, por devoção ou por recato, freqüentar o andar de cima; já os assíduos do andar elevado podem vez por outra buscar abrigo no de baixo, sem prejuízo para a reputação e até um incremento nela, caso seja flagrado por um conhecido a entoar um canto salmático, falar uma língua estranha como no êxtase dos Pentecostes: tudo são possibilidades.



Ou questão de estilo. Buffon dizia que o estilo é o próprio homem; eu creio que o estilo é a necessidade. Se o dono da propriedade, ao alugar o imóvel, se desse conta de que poderia contrariar um dos fundamentos mais básicos da organização social, não teria fatiado seu bem para duas instituições contraflitantes; mas o dinheiro, assim como a seborréia, não tem ideologia, se espalha na cabeça de quem oferecer a mais atraente cabeça para se infiltrar, não importando a cor e o tônus capilar.



Não sei qual seria a reação do bispo que soubesse que na diocese de sua jurisdição funciona no igual ponto geográfico a sacristia e o bordel; talvez compelisse os atores do lupanar a encenar seus talentos em tablados sacros; talvez fizesse vista grossa ou até vista nenhuma, caso o ritmo intenso de potenciais fiéis, alguns arrependidos de um eventual delito conjugal, fosse refrescar seus pecados no pódio do padre que o encaminharia a confessar no privado o que deveria fazer em público, como interpreta os seguidores do Calvinismo.



Espero com alguma ânsia, não pelo nascimento do herdeiro deste mau legado ou, antes, da noiva dos sonhos com olhos de esmeralda, e sim com o dia em que verei perfilado na mesma calçada todas as franquias cristãs, sediadas no lado par da avenida; no ímpar, casas de massagens, relax for men, bancos e cassinos; o primeiro legalizado pelo vício, o segundo pela orgia. Alá, o moderno Ahura Mazda dos muçulmanos, há de me conceder essa graça.




Escrito por Alex Menezes às 22h50


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