- Puxa, Gustavo, minha mãe morreu, e é engraçado, porque ontem ela tava tão bem...
- Jogar no Milan é uma honra. E é engraçado porque sempre gostei da Itália, da vida aqui...
- Minha carreira começou meia (sic!!!) por acaso, e é engraçado pois eu nunca pensei em ser modelo. (a profissão explica o “meia”)
Têm uns vícios de linguagem que são dose para leão-dente-de-sabre. Antes era o famigerado “a nível de”, expressão tão útil quanto um objeto para desentortar bananas. Tem também o “onde”. O onde é uma praga. “Estamos jogando bem, onde iremos prosseguir assim, como pediu o professor”. Pelo cavanhaque de Saturno! Em cartaz, nova praga vocabular: “blindado”. “A Economia está blindada contra, etc”. Deve ser uma economia 2.0 MPFI com direção hidráulica.
Mas a praga boa, a praga número 1 é esta: “VOCÊ”. Calma, não desligue nem vire a página, não me abandone. O você a que me refiro não é você e sim ao uso da palavra “você”. Até segunda ordem, o você é o interlocutor, e não quem fala, conversando com uma amiga: “Quando você fica menstruada, é um martírio.” Epa! Eu não fico menstruado não! Um piloto: “Quando você deixa o carro morrer na largada, é fogo”. E o repórter nem é piloto. O próprio “quando” é uma praguinha sutil, sempre me valho dele. “Quando” indica tempo, sempre. Nada de usá-la como advérbio, muleta ou preencher lingüiça. “Preencher???” Ave César...
Mas o mais engraçado de todos é o adjetivo engraçado. Tudo é engraçado. Morre a mãe, é engraçado. E parece que não tem graça nenhuma tal desastre e menos graça ainda quando a mãe é a da gente. Gerúndios e estrangeirismos baratos (porque “delay” no lugar de “demora?”) também são pragas. Outros são bem-vindos como “dumpping”, que é o ato de vender abaixo do custo, invariavelmente para quebrar o concorrente, e não tem equivalente em português.
Lógico, nosso idioma é mais difícil de decifrar do que o genoma humano, e é até interessante descobrir suas nuances e armadilhas: todo mundo diz: “Vou pedir arrego!”. Errado, o certo é “arreglo”, com esse L intruso mesmo, “arrego” não existe. Tudo culpa do ouvido que “lê” e aceita o que ouve de errado, eu vivia cantando: “Na madrugada a vitrola rolando um blues/ trocando de biquíni sem parar”, até descobrir que o trocando é “tocando” e o “biquíni” é B.B. King. Não é o idioma que é traiçoeiro e sim o ouvido indolente que tem preguiça de ler as palavras.
Escrito por Alex Menezes às 22h33
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