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Galã em Pó

“E você que está me ouvindo/ quer saber o que está havendo/ com as flores do meu quintal?:/ o amor-perfeito traindo/ a sempre-viva morrendo/ e a rosa cheirando mal...”


Como sente esse poeta. Agora falando sério, eu não queria mais ver tanto absurdo corroendo a gente, tanto desmazelo contaminando tudo, sonhos, projetos, emoções. Nada tem escapado à desventura.


Em “Além do Bem e do Mal” (ponto 253, pág. 185), Nietzsche ensina gratuitamente que “há verdades que encantam e seduzem apenas os espíritos medíocres”; fica muito claro que espíritos medíocres não são apenas a regra, mas também a sustentabilidade do mundo. O Cebolinha, numas dessas tirinhas que saem no Estadão, criticou duramente a Mônica, por julgá-la um espírito medíocre, não usando os termos dialógicos do filósofo, como era natural, mas... Mas esperem aí; deixem eu ver o que significa “dialógico”; as palavras vão invadindo a escrita e, feito gente má educada, se metem onde às vezes não são chamadas, contaminando o texto, me causando embaraços. Resolvido. Dialógico é só um adjetivo para “dialogar”.


Palavras, palavras, palavras. Na minha boca, essa repetição não tem a mesma força que a de Hamlet quando as profere, ironizando Polônio, que queria saber o que o príncipe estava a ler; talvez seja culpa do idioma. Reverberem comigo no original de 1503:


- What do you read, my lord?


- Words, words, words...


Nada? Também não senti nada. Vai que é a distância que, quando fica assaz próxima, atrapalha.


Toda vez que o mundo pegar fogo, e às vezes o mundo pega fogo com água, como agora ocorre com Santa Catarina, irei usar o refúgio dos covardes para me solidarizar com os compatriotas; um comentário no botequim, uma menção perdida entre um almoço e um elevador, e para por aí, que já é esforço demais.


Tudo acabam com palavras. Afetos e amores, desamores, tudo são palavras que resolvem. A revista Veja, que negou uma capa a Machado de Assis no seu centenário, talvez pela ruim cor do super-herói, botou uma bonita, com o rosto mais rosado do ator Fábio Assunção, com o subtítulo LUTA PELA VIDA, que até agora não entendi se foi uma anedota ou um abuso à inteligência do leitor, ou se isto de se meter a ler filósofos alemães (e citá-los!) e tirinhas de gibi causa exagerado senso crítico e carinhosos apelidos de mala a quem os lê.


Se o ator “luta pela vida”, não sei o que fazem os portadores de leucemias, cânceres e demais males; mormente, essas pessoas são acometidas por essas doenças sem as desejar ou buscar, ou comprar (salvo os contribuintes à prosperidade da indústria tabagista), mas o bom Fábio, moço de sucesso, meter-se a cheirar cocaína, a contribuir para a miséria e o flagelo do narcotráfico, um Fábio bonito assim, morrendo, é um consumidor a menos e nada mais. Consumidores de pó deveriam ter o mesmo destino dos traficantes dos morros: vidas curtas e conturbadas, não o glamour das capas de revistas. Palavras, palavras, palavras.



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