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Fazendo Ficção por Verossimilhança

Foto do escritor: ABM ABM

Certamente, repare bem, muito certamente, pode-se pegar da cabeça e preparar uma ficção. Ou quem sabe uma peça que muito se assemelhe a um milagre. Palavras há na nossa língua que guardam intrigas, não no aspecto comezinho da palavra, mas no ato de intrigar. Verossimilhança é apenas algo que “se assemelha à verdade”, logo, não é verdade? Há mais.



A ficção que se pode confeccionar é ele estava na última fileira no funeral da esposa, não era suspeito, sem a paisagem facial que contamina o rosto de um vilão, não sorria, não chorava, guardava no semblante a verossimilhança que se pretende dizer de “estátua” mas estátuas quando não guardam os humores do seu escultor concreta a melancolia da imobilidade eterna que a condena a ser para sempre o que é.



Está o homem lá, o crepe funéreo a contaminar a atmosfera, ele entre mudo e disperso: sensações de um ator insone. Cai a tradicional chuva – garoa – as abas dos chapéus retém o escasso líquido, se a moda permitisse o uso de chapéus em funerais; as ombreiras ocupam a lacuna do chapéu, acumulam gotículas, um dorso de mão projeta a água para adiante.



Diferentemente do que se pode esperar, ele não é o último a sair, não quer o espetáculo de ser o derradeiro vivo a se despedir do corpo da esposa, já entregue aos cuidados da terra, a recepção das bactérias que o Bardo chamaria de banquete; não, ele se levanta, caminha solto, levando sob os pés resquícios da água que outrora fora expulsa duma ombreira, ex-chapéu, e agora se alia ao barro para ser levada para outra parte.



Liga o carro, percorre célere a distância entre ali e o portão e sai do cemitério, latifúndio dos mortos, a idéia sua é que ele, acometido de torpor emocional, una o veículo a um poste, a árvore, crê você, não merece uma morte prematura e insana como esta, por mais anos que ela encerre no seu tronco, árvores só envelhecem seu verde, que não se quer verde. Ele passa uma, duas, as únicas árvores que margeiam a pista e vai embora, incólume.



Chega o rosto na alcova que dividira por 48 anos com a companheira e no lugar de reviver os momentos lá vividos cancela toda a memória com o chip da retina. Arruma as malas e parte para lugar desconhecido. Não se ouve mais falar do homem.



A imaginação perde-se no que é real e desconhece ilações, ilações ouvi agora o Lula falando, o Lula agora fala ilações. É assim que se faz ficção. Verossimilhança.





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Alex Bezerra de Menezes

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