Sabe quando bate aquela coisa parecida com alguma coisa e a gente fica meio vendido? Tipo - falar "tipo" é uma moda duradoura, já vai uma década e continua firmíssimo -, não sabemos o que sentimos e temos medo daquilo que de fato se sente?
Diz que eu não sou de respeito
Diz que não dá jeito
De jeito nenhum
Diz que eu sou subversivo
Um elemento ativo
Feroz e nocivo
Ao bem-estar comum
É engraçado - tudo hoje em dia e noite é "engraçado": " É engraçado, minha tia morreu e..."; "É engraçado, perdi dinheiro na bolsa e..."; "É engraçado, fui demitido e..."; "É engraçado, minha mulher me traiu com outrA e..."; "É engraçado, estou em estado terminal e..."; "É engraçado, você está lendo isso e não está achando nada engraçado e... continua lendo, é engraçado". Bom, vamos lá. É engraçado, mas quando admitimos aquilo que sentimos e omitimos para nós o que sentimos para não nos encabular com o que sentimos e com isso adaptar uma situação que criamos...
Fale do nosso barraco
Diga que é um buraco
Que nem queiram ver
Diga que o meu samba é fraco
E que eu não largo o taco
Nem pra conversar com você
Mas fica, Mas fica ao lado meu...
Situação que NÃO criamos, pois ela já está criada, ali, latente, dentro de nós, mas sufocamo-la, e ela, por mais que arfe, grite e peça socorro à razão, permanece incrustada, feito molusco no caracol - comparação para lá de ingênua, mas interrogativa.
Diga ao primeiro que passa
Que eu sou da cachaça
Mais do que do amor
Diga e diga de pirraça
De raiva ou de graça
No meio da praça, é favor
Mas fica, Mas fica ao lado meu
Interrogativa porque ela oscila entre o litorâneo, que supõe todos os sons, os marulhos, as gaivotas e a natureza - não a marítima, mas a natureza da alma, que faz barulho como o mar, que voa como as aves marinhas e não raro fica encastoada igual o invertebrado animal que nasce para preencher o vazio da concha, que tem o poder de guardar o mar em seu estojo.
Diz que eu ganho até folgado
Mas perco no dado
E não lhe dou vintém
Diz que é pra tomar cuidado
Sou um desajustado
E o que bem lhe agrada, meu bem
Mas fica, mas fica, meu amor
Quem sabe um dia
Por descuido ou poesia
Você goste de ficar
"Fica" - Letra e música de Francisco Buarque de Holanda, então com 21 anos, em 1965.
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