- Cassius, que é de Messalina que não veio para jantar?
- Ela foi passada a fio de espada há uma hora, conforme suas ordens, majestade.
O imperador romano Cláudio travou deveras este diálogo lá pelo ano 48 d.C, uma hora após mandar executar sua esposa, suspeita de adultério. Cláudio claudicava, mormente rumo a algum copo: como todo tirano, tinha queda para excessos, no seu caso, de álcool. Álcool que destruiu sua memória, o que o impedia de lembrar de fatos recentes, como este singelo de fazer da espada a última gargantilha usada pela sua consorte, neste caso com azar.
O déjà vu (do francês, “já visto”) é um dos mais estranhos e inestrincáveis fenômenos da mente humana. No romance David Copperfield, Charles Dickens descreve o evento como “uma sensação que nos assalta ocasionalmente, de termos estado rodeados, em épocas imprecisas mas anteriores, pelos mesmos rostos e objetos, de saber perfeitamente o que será dito a seguir, como se tivéssemos subitamente recordado”. Até Platão se debruçou sobre o tema: ele acreditava que o déjà vu era um indício de vidas anteriores, uma prova da reencarnação.
Atire a primeira lembrança quem nunca foi acometido por essa coisa enigmática, misteriosa e fascinante. A repetição no futuro de algo já passado lança uma espessa e sombria nuvem sobre nosso já diverso conceito do quem somos, de onde viemos, para onde vamos, nublando ainda mais o que nublado sempre foi.
Acelera o sangue, arrepia a pele, dispara o músculo cardíaco e provoca os sentidos, pegos de surpresa pela surpresa de o impossível acontecer, assim, como num passe de mágica. Turvado e confuso, o software (mente) entra em conflito com o hardware (corpo) nos transportando por milésimos de segundos, numa viagem estática, a um universo desconhecido, violando a lei natural das coisas que não compreende a inversão da razão e se debate por entre a gente, como uma estrela aprisionada numa concha, que é o estojo onde é guardado o mar.
O déjà vu está aí para se somar a todos os demais mistérios que fazem fronteira entre o céu e a terra, desvendá-lo é em vão e indisponível à nossa vã compreensão, é tentar cobiçar as entranhas do sol a olho despido. A próxima vez que sentir a mão invisível do fenômeno pairar por sobre você, estique com os sentidos aquela mera fração temporal, capte na percepção os detalhes que nos escapam pelo susto, e caso descubra um portal mágico para passear no tempo, não esqueça de me chamar, quero bilhetes para a Amsterdã do século 16: o melhor pão, o melhor vinho, e nas redondezas, Rembrandt.
Escrito por Alex Menezes às 00h00
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