Ai ai as peripécias do governo. Eu queria ter a alma transbordante; assim e inoperante. Queria devassar o inviolável chão, adentrar sorrateiro por entre frestas, dessas de sombra, que se formam no desvão do inconsciente ativo, porque o inconsciente é sim uma forma de vida entorpecida. O que será que pesca você dessas metáforas desconexas? Descarte a possibilidade de uma ode a uma musa fugidia; não há mais musas; todas foram substituídas pelo tédio. Mora aí a explicação para a escassez de um T.S Elliot, de um Castro Alves. A falta de uma musa. Gastei um copo de ovomaltine e me aproveitei da falta de pilha do controle remoto da TV para fazer uma descoberta inquietante: onde foram parar as musas. Por onde andam tais donzelas? A fugir dessas mazelas?
Seres omissos e presumidos, que burilam o âmago do poeta, ricocheteiam suas membranas acerbas na gênese do artista e se vão impunes; umas são eternizadas, como aquela Beatriz incólume de Dante; outras cantadas em versos póstumos, como a Carolina machadiana; umas ainda celebram um feito bélico, como a que cantou a ira de Aquiles, filho de Peleu, que incontáveis males trouxe às hostes dos aqueus e, todavia, apesar do espectro militar, era musa de versos impacíficos.
Musa...deusa galante que sopra ressoa premedita exaspera cala afaga acalenta ressuscita repele sente e desatina; nem mito nem sereia, meio termo entre orvalho âmbar e pétala incandescida e no entanto, apesar de todo este canto, onde estás, musa adormecida?
Se foram e só.
Embalaram o galope na asa solitária do calcanhar do veloz Mercúrio que nunca repousa e desaguaram seu néctar inspirador noutra freguesia menos hostil que a dos aedos contemporâneos, que são burocratas demais, ambiciosos demais, desumanos demais, insociáveis demais, nebulosos demais, arrogantes de menos para o que a arte não reconhece como arte.
São homens que fazem streptease para vitrines.
Sensatez e Impiedade, alteregos da virtude, deusas da concórdia, lancem suas setas flamejantes atadas à linha forte e carretel para resgatar tais ninfas carentes de carência; as tragam de volta, sumas deusas, ou se os percalços corretamente as impedirem, contemplem-me ao menos com um cartão corporativo do governo, modo mais simples e sutil de inspirar qualquer poeta, inclusive aqueles grosseiros e de má índole como eu.
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