Eu poderia tranqüilamente e sem atropelo me preocupar com a notícia, já caduca, de que aquela modelo Gisele, sobrenome alemão, obrigou seus agentes a firmarem seus novos contratos em euro e não mais em dólar, fato espetacular que aguçou os futurologistas a ver nisto um sinal da iminente queda da mais esplêndida superpotência da História. Mas como eu não gosto de modelos e menos ainda de futurólogos, me empenharei numa coisa mais comezinha, quiçá abstrata, sendo muita via objeto adequado não para prever o fim de alguma potência, mas para lançar uma luz, ainda que opaca, sobre o futuro da nossa minha talvez sua nação. Fique comigo mais uns parágrafos e não se arrependerás, como diz a música.
O metrô de São Paulo tem nos guichês onde vende os bilhetes o seguinte “prefixo” seguido de um “sufixo” que pede senão uma tese filosófica, ao menos meio segundo de atenção.
É este:
BILHETERIA BLINDADA
Chamo a atenção para o fato de que a grafia do “blindada” está em itálico não por opção estética do escriba que aqui vos escrebe, mas por talento do redator que transpôs no frontispício das cabines a inscrição intimidatória e previnidora
É de se observar que o aviso não é dirigido a mim nem a você que (escrevo confiando em sua índole) não cobiçam nem anseiam pelo o que guarda a bilheteira, o popular dinheiro alheio. O aviso está lá pintado para proteger o ladrão não da possível cadeia, fim natural de quem rouba, mas do constrangimento, fim artificial de quem tenta seja lá o que quer atingir. Desconheço coisa mais vexatória do que tentar roubar e não levar. Ser preso é o que está na gama de possibilidades do ladrão que intenta roubar, mas o vexame, essa grave sanção sem correntes da psique humana, ele não computa. Se ele for preso por denúncia pode até contar feliz aos seus pares os efeitos que o levaram à queda; caso seja enjaulado por imperícia ou canastrice sofrerá calado e em duplicidade por ambas penas.
Da teoria psicológica do aviso “blindada” passemos à prática e à sociológica. Ser necessário avisar à população, entre aspas, que aqueles vidros são à prova de meliantes é fato altamente calamitoso. É verdade que muitos ladrões não conhecem outro oficio menos oneroso para a suas carcaças; há-os que o fazem por puro passatempo, mais ou menos como eu que prefiro escrever a assaltar os outros nas ruas e nisso explicito uma meia-verdade; porque sonho em roubar-lhes uns minutinhos de atenção; não obstante confesso ficar condoído com aquele que além do pesado fardo de ser ladrão é obrigado a ter a desdita de ser analfabeto, essa forma rudimentar de crime, ainda não prevista em lei.
- É um assalto, passa a grana!
- A cabine é blindada!
- Que blindada o quê, tá me tirando?
- Falo sério, é à prova de balas!
- Pqp, e não dava pra avisar antes não?! A gente tem que passar por essa humilhação?
- Mas está escrito aí em cima, ó lá ó:
- Pô chegado, se eu soubesse ler num tava aqui te metendo os ferro, né?
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