“Tende estima a homens desta sorte” pedia o Eclesiastes na sábia voz de Salomão, filho do rei Davi. Ter estima a homens que tentam obliterar a miséria do mundo é um meio econômico para quitar a dívida tácita que temos para com eles.
O empresário Antonio Ermírio de Moraes é desses homens dignos de ser ter estima. Lendo sua biografia diária em entrevistas, em matérias de jornais, nas peças (5) que escreveu, vê-se nele uma espécie de Diógenes capitalista, por mais paradoxal que isso possa parecer. Diógenes, criador da palavra “cosmopolita”, ficou célebre por desprezar o luxo e as convenções sociais. Sua casa era um barril. Não gostava de roupas. Quando viu uma criança se agachado no rio para beber água com as mãos jogou fora a cuia que usava: “Essa criança me ensinou que só preciso das mãos”. O antológico encontro que ele teve com o soberano da Macedônia é clássico: o rei, no zênite da glória após arrasar a cidade de Tebas, pergunta ao filósofo, que tomava banho de sol nu, se precisava de algo:
- Qualquer coisa?
- O que pedires.
- Qualquer coisa mesmo?
- Peças e serás atendido no teu desejo.
- Peço-te então que saias da frente do meu sol.
Os oficiais zombaram o rei pela petulância daquele pobre diabo diante do homem mais poderoso de toda Grécia, mas foram prontamente repreendidos pelo magnânimo líder:
- Não se riam. Eu, se eu não fosse o que eu sou, se eu não fosse Alexandre, gostaria de ser Diógenes.
Aos 79 anos de vida, Antonio Ermírio se tornou uma espécie de lenda viva, não pela fortuna que, em vez de o possuir, possui, mas pelo modo prosaico com que vive a vida. Ele acaba de inaugurar o hospital São José, homenagem ao seu santo de devoção. “A intenção é atender quem não tem condições de pagar”, disse o empresário. Ele é também patrono do Hospital Beneficência Portuguesa que das 325 mil pessoas atendidas em 2006, 60% provieram do Sistema Único de Saúde (SUS).
Antonio Ermírio não gosta de sair em colunas sociais. Apenas esse grande detalhe já me faz ser um seu fã, a tê-lo em alta conta. Sua malograda candidatura ao governo de São Paulo em 1986 foi uma vitória, em verdade: um homem de igual envergadura moral não podia tisnar sua biografia tentando converter a política e os políticos em exemplos de retidão, tarefa que só deve caber aos deuses e olhe lá.
O desprezo pela badalação, pela ostentação dos meios de vida não obstante figurar entre os mais ricos homens do mundo é um espanto tão espantoso quanto o desprezo a um nobre rei poderoso; é aí que reside o fascínio pelo homem. Sentar no banco da frente junto com o motorista, não visitar a piscina da casa, tirar férias a cada 35 anos, passar duas décadas sem comprar um terno, visitar siderúrgicas em plena lua-de-mel já virou folclore. No encontro com o sumo pontífice em maio último aqui no Brasil, Benedito XVI, conhecedor das obras do Sr. Antonio, o fustigou sacerdotalmente:
- Você está construindo seu lugar no céu.
- Não faço com essa intenção. Coisas trocadas eu faço no meu trabalho. Fora do trabalho, não troco nada. – respondeu.
Tenham estima a homens dessa sorte.
Escrito por Alex Menezes às 00h23
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