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A Revolução do Ócio

Os habitantes da cidade de Barra de Serinhaém não puderam crer quando ali foi decretada, pela sua Câmara Alta, a suspensão de todas as formas de trabalho. A fiandeira não fiou, o debulho do trigo foi evitado, o açougue aboliu a faca; o que se via nas ruas da cidade era a inatividade tão ativa como nunca estivera antes.


Os perspicazes agentes da Câmara logo notaram que a brusca desaceleração do ritmo de vida causou na população uma expectação sobre como, dali para adiante, iriam se manter todas as pessoas. Os primeiros boatos de subsídio governamental foram logo desmentidos por uma circular que agilmente chegou à casa de toda pessoa registrada nos arquivos da cidade. A abolição de toda e qualquer atividade laboriosa não estava clara se se destinava ao bem comum ou, antes, ao método científico dos agentes da Câmara da cidade, ávidos por fazer daquele lugar um laboratório, exportando para as demais cidades o produto do fracasso.


Curiosamente, não houve sublevação do povo nem movimentos secretos para sabotar o decreto. Não se sabe se a imobilidade foi produto da modéstia, abundante no local, ou da inércia vasta em toda parte. A triste realidade é que todos esperavam, alguns em tédio, pelos sucessos da novidade; não há relatos de alguém que tenha suspeitado da ineficiência daquela inédita iniciativa, mormente oriunda de bases sindicais, clubes estudantis, sociedades secretas; mas ter o próprio Estado como fomentador de uma tal ação era uma novidade senão exótica, então inquietante.


Os que suspeitaram pelo extermínio foram imediatamente diagnosticados como inimigos do regime, sendo obrigados a labutar onde e no que quisessem: podiam ser advogados, médicos, faxineiros, burocratas e até deputados, não lhes sendo necessário qualificações, experiências, cartas de referências; a vergonha pública de ter que trabalhar, enquanto todos regeneravam nas varandas, curava da suspeita. Muitos eram abatidos pelo ócio, que abate como a dinâmica, mas o faz com certo humanismo, como mostra o exemplo da longevidade do coelho e da tartaruga; o trabalho, atividade arcaica que antes dignificava, agora desonra e macula.


Abalados com a capacidade de silenciar dos habitantes e tremendamente impressionados com a alegria reinante em todos os rostos, os maiorais da cidade cogitaram a suspensão da experiência; era imperativo agir, a degeneração dos serviços públicos chegou a níveis insuportáveis; ato contínuo, reforçaram as posições prevendo os sediciosos que, por ventura, protestariam contra o revogar do decreto. Muito sangue e lamentos foram derramados e ouvidos por toda parte; não havendo acordo possível, a importação de gente estrangeira foi a saída para evitar a revolução. Muita gente, apesar do exíguo tempo da moratória do trabalho, entendeu que o direito, uma vez adquirido, não podia ser extinto assim, ao sabor dos humores.






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