Meu computador desmantelou-se. Chamei o técnico.
- É a placa de vídeo.
- Só trocar?
- Só trocar.
Fui comprar a tal placa, entrei numa loja e falei ao vendedor:
- Preciso de uma placa de vídeo.
- Que tipo?
- Tipo placa de vídeo mesmo.
- Cara, preciso saber se a placa-mãe é on board ou se ela é DDR, com slote removível, se a porta serial tem saída USB 1.1 ou 2.0 Mini-Gim; se for, recomendo memória EDO-72 vias com 233 MHz compactado para rodar com um HD de no mínimo 80 giga bytes.
- E se puser cebola e maionese nesse molho?
- ....................................... (ele xingando mentalmente)
- Desculpa é que não entendi o que você quis dizer.
- ....................................... (Idem)
- Pode repetir, assim, mais devagarzinho...?
- Tem 80 gigas seu HD?
- Mas seu moço...
Senti-me um ignorante. Traído e órfão da própria língua num território que supus meu. O olhar de superioridade do vendedor foi um momento sublime que pude contemplar em silêncio; eu apequenado diante da sua eloquência informática; era um Napoleão digital, falando um idioma de siglas, não constituído de verbos, adjetivos, pronomes e que tais, apenas uma estrutura fonética promíscua, quase obscena, enfileirada de números, pontos, letras e incompreensão.
Alguns médicos (alguns viu, loirinha?), talvez para se ungirem de mais autoridade, tornam-se verborragicamente incompreensíveis, suas letras ilegíveis, escritas em forma de arame farpado e pretensão.
Advogados também são campões no uso do “jurisdiquês”. O sujeito humilde que o consulta sente-se oprimido e, se o problema for de âmbito criminal, sente-se condenado antes da sentença judicial.
Liguei do meu celular para o técnico e pedi para que ele se entendesse com o vendedor, ambos passaram a conversar como comadres que não se encontram há muito. Um diálogo comovente que não transcrevo aqui para não fazer chorar o leitor. Peguei a peça certa e o agradeci:
- Muito obrigado.
- Precisando estamos aqui, ah, e desculpe se não entendeu alguma coisa do que eu falei, dos componentes.
- Tem mal não.
- Tem mal não? Engraçado, todo mundo diz “não faz mal não”.
- É que falo assim, meio diferente mesmo.
- Beleza, cara. Falou!
Aproveitei a carona do rosto dele enquanto estava simpático e dei o fora da loja imediatamente; num relance, olhei para trás e ele atendia a outro cliente, e seu rosto, segundos antes desnapoleonizado, ganhou de novo as feições de um imperador.
Commentaires