Doido. Doido no sentido de perder o juízo, e não de algo me doer as entranhas. Estava louquíssimo para meter meu bedelho ignóbil na salada econômica mundial. Mas doiduras vencem seus prazos antes mesmo que o certificado da demência esteja devidamente diagnosticado.
O assombroso da crise financeira, “a maior dos últimos 60 anos”, é que nem o mais apto guru financeiro, nem o gênio mercantilista consegue domar ou sequer prever os próximos passos desse dragão consumidor de dinheiro, fundos, empresas e capitais.
O avanço econômico avança até o ponto limite que permite seu avanço. Complicado? Nem tanto. Se o mundo inteiro entrar em colapso, que será do mundo? Um regresso insatisfatório à idade das trevas? E daí? Tudo bem que o capitalismo resgatou da miséria 400 milhões de chineses em três décadas; uns 30 milhões de brasileiros; mas e o custo-benefício dessa nova população consumidora? É horrendo, socialmente, porque criou um abismo colossal entre ricos e pobres, e ecologicamente, porque tem esgotado o planeta, que geme.
Parece que não obstante o raquitismo do crescimento da economia, tudo permanece permanente: a Lua cumprindo seu ofício de luzeiro e inspiração, o Sol o dele, o maquinista idem, o jardineiro também. Acho necessário um recesso global. Com uma queda na produção, o ser humano poderá construir uma nova via que não a do lucro, da propriedade, do ter, do possuir desenfreadamente. Um apagão nas bolsas de valores fará muitos financistas e seus asseclas ociosos pegarem no pesado.
A quebra do banco de investimentos Lehman Brothers é caricata de tão primária e obscena. Uma instituição financeira de 150 anos, que até pouco tempo (semanas!) atrás administrava ativos na casa dos bilhões de dólares, e que vira pó da noite para o dia, é sinal transparente de que o homem moderno ainda patina e desconhece o complexo sistema criado pelos seus ancestrais nem tão remotos assim.
O capitalismo é uma arma recente. Posto à prova em 1929, soube se regenerar, tem lá seus encantos de amante pródiga. É adaptável à cena onde atua, como no pós-guerra, mas... é uma arma recente, a qualquer momento pode ferir mortalmente seu inábil beneficiado, com choques cáusticos também ao beneficiador.
A recessão trará a natural dor da falta de emprego (o meu inclusive), aumento na criminalidade e demais efeitos nocivos na área social. Como sou pelo indivíduo, prevejo-o mais forte e com a fé renovada, já não querendo comprar tanta coisa de que não precise. Emergindo do caos um cidadão mais consciente, é assaz provável que a atual treva espiritual dê lugar a um mundo menos sombrio, lugar onde pessoas contatam pessoas, o carro seja apenas um carro, vinho apenas vinho, roupa apenas roupa, máquina apenas máquina, etc. Hoje, até o amor, então louvado até por tiranos, é negociado, transfeito, revendido. A ternura cedeu lugar ao corre-corre e aos fast foods que contraditoriamente me sirvo quando a pressa aperta. Antes da Renascença europeia, imperava a era do Obscurantismo (apesar de Chaucer, Dante e Giotto, que não conseguiram alumiar a escuridão); hoje, apesar da imensa luz das TVs, do cinema, do show bizz, dos milhares de computadores vendidos por segundo, o mundo veleja silenciosamente para a penumbra da solidão escura; muita luz ofusca e turva, e a quebradeira das bolsas de valores é o primeiro farol a se apagar. Senhoras e senhores, bem-vindos à Era da Escuridão.
Luz!/ quero luz!/ nem que todos os barcos recolham ao cais/ e os faróis da costeira me lancem sinais:/ arranca a vida estufa a vela/ me leva/ leva longe/ longe longe mais...
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