Num texto muito inspirado, um poeta, simulando ingenuidade, questiona por que a patente da espoleta não explodiu na gaveta do inventor. Oras tais. A espoleta, se não for a invenção mais sedutora já criada pelo homem, é positivo que seja a mais eficaz no trato que eles costumam dar-se mutuamente, com picardia, velhacaria de boa estirpe e todo o somatório de arruaças que se comete à luz fosca dos ambientes fechados...
Vejam se este caso da quebradeira nas bolsas de valores não é dos mais exemplares. Primeiro que há grosso engodo neste turbilhão todo; engodo porque, se há alguém que perde (a matemática e a astúcia não erram jamais), outros alguéns ganham e muito, como deixou claro o presidente do comitê de fiscalização econômica da Câmara Alta dos EUA, Henry Waxman, a um executivo de um banco falido, o Lehman Brothers:
“Sua empresa quebrou, o país mergulhou numa crise e você fica com 480 milhões de dólares. Uma pergunta bem básica: isso é justo?”
Justo? Justíssimo. Quando mecanismos complexos ameaçam corroer o patrimônio da parcela pobre do planeta, há justiças que doem sim, mas são precisas. Também eu, também você aceitaria um lastro de 480 milhões de qualquer coisa; ainda sendo passivo, não daria lucro, mas daria manchete, que é também, inda mais em nosso tempo, uma forma de lucrar.
Não é muito compreensivo nem honesto da minha parte que eu fale em seu nome, afirmando categoricamente que você aceitaria o estipêndio, ilegítimo e ilícito que fosse; é correta sua zanga, não tenho sua procuração, mas o contato diário com os humanos e comigo mesmo em especial tem me tornado cada vez mais descrente da raça, menos piedoso talvez, elementos que rogo para que não sejam levados em consideração, caso eu precise de uma estadia no céu.
Vivos, Lênin e Stalin ficariam mortificados por verem a força bruta do Estado socorrendo o liberalismo. Esquecem que liberalismo, capitalismo, comunismo, socialismo e o achismo são ciências que não foram criadas para acudir ao povo, mas para sangrar o povo, ou no modelo silencioso da bonança econômica ou no estrepitoso da ameaça de recessão, ações virando pó e o pó virando outros tipos de ações.
O povo, sendo correta a ideia de que é um leão indômito (adjetivo necessário e tosco ao mesmo tempo), tem muito e farto sangue para distribuir à falange minoritária que o governa; de vez em quando ele chia, reclama, esperneia, mas só para coisas pontuais e subsidiárias, como a ruim frequência dos canais que passam novelas. Obediente e manso, o leão se deixa domesticar pelas perversidades dos sistemas criados pelo governo e pelos banqueiros; se rugir, poderá arrefecer a evolução natural das relações e causar um colapso que abalaria para sempre o fundamento do mundo, aniquilando-o; tendo ciência da catástrofe, o leão permanece quieto não por inércia ou ignorância, mas por instinto de sobrevivência: o Eclesiastes (9:5,6) já ensina que mais vale um cão vivo que um leão morto, e em matéria de viver não há outro maior exemplo que o do povo que sobrevive desde o augusto governo de Cláudio ao despótico dos hitleres sem bigode que ficam escondidos em bancos de investimento e nos bastidores dos governos do mundo.
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